Homenagem ao Centenário de
Gerson Filho (1915 – 2015) – Léo Rugero
O
ano de 2015 marca uma data importante para a música nordestina: o centenário de
Gerson Argolo Filho, artisticamente conhecido como Gerson Filho.
Nascido em 12
de maio de 1915, na Fazenda Mundéis, no Município de Penedo, no Estado de
Alagoas, Gerson Filho foi o primeiro solista de oito baixos no estilo nordestino, a gravar profissionalmente em disco.
Em
9 de abril de 1953, com a gravação em disco de 78 rotações das músicas “Maracanã”e
“Quadrilha da Cidade”, através da gravadora Todamérica, Gerson Filho inauguraria
a era fonográfica da sanfona de oito baixos nordestina, abrindo caminho para outros solistas do instrumento, que despontariam em seguida, tais como Pedro Sertanejo, Severino Januário, Zé Calixto e Abdias.
Tão somente este pioneirismo asseguraria um lugar central de Gerson Filho na história do fole de oito
baixos na região Nordeste. No entanto, o sanfoneiro alagoano edificaria uma das
carreiras mais sólidas na história do forró, se constituindo em um dos mais
representativos solistas da sanfona de oito baixos da região Nordeste. Também seria um destacado compositor, tendo obras gravadas por Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro,
Fagner, entre outros nomes representativos da cultura musical nordestina.
Indubitavelmente, Gerson Filho foi o primeiro solista de oito baixos a obter
reconhecimento artístico além do restrito âmbito de atuação dos sanfoneiros nos
bailes rurais e de periferias urbanas. Através do rádio e do disco, se
consagraria, tornando-se uma referência da sanfona de oito baixos no contexto midiático de apropriação e adaptação fonográfica desta tradição sonora.
A interessante biografia deste sanfoneiro merece ser resgatada, bem como sua vasta obra composicional, dispersa em dezenas de fonogramas registrados ao longo de cinco décadas de carreira profissional.
A história musical de Gerson Filho principia em sua infância, e, desde o primeiro momento, foi marcada pelo amor à primeira vista por aquele que seria seu instrumento de fé e trabalho: a sanfona de oito baixos.
Ao
completar dez anos, Gerson Filho foi enviado pela família aos cuidados de uma
tia, para que completasse seus estudos na escola pública. Por volta desta época,
teria ocorrido seu primeiro contato com o fole de oito baixos. Certo dia, viu
passar perto da escola onde estudava, o sanfoneiro Zé Moreno, que teria causado
impacto ao menino.
Algum
tempo depois, Gerson Filho pediria a Zé Moreno para tomar parte de seu
conjunto. Já haviam dois ritmistas ao encargo do pandeiro e do gonguê, e Gerson
ficaria responsável pelo ganzá. Durante o convívio com Zé Moreno, Gerson Filho
aprenderia aos poucos a manejar o complexo instrumento, aproveitando os
intervalos dos bailes e funções nas quais participavam, para descobrir os
segredos entre o fole e os botões.
Certa noite de São João, Zé Moreno havia
sido contratado para fazer dois bailes no mesmo dia e horário. Então, solicitou
ao jovem aprendiz que assumisse o posto de sanfoneiro em um dos bailes. Com a
aceitação pública do jovem talento, dava-se o início de uma longa carreira.
No
entanto, ainda que tenha adquirido notoriedade como sanfoneiro entre as
comunidades que circundavam o município de Penedo, a música constituía apenas uma das atividades
profissionais do jovem, que também trabalhou como feirante e até mesmo proprietário
de um cabaré com o insólito nome de “Orgia Lua Branca”.
Em
busca de novos horizontes, Gerson Filho se deslocaria ao Rio de Janeiro em
1948, numa longa viagem carregada de percalços. É
difícil imaginar como deve ter sido a receptividade ao trabalho do jovem
sanfoneiro na Guanabara. Devemos lembrar que nesta época, ocorria a definitiva
consagração de Luiz Gonzaga no Rio de Janeiro e, consequentemente, em todo o
pais. Porém, o fole de oito baixos era um instrumento praticamente desconhecido
no Rio de Janeiro, circunscrito às práticas de músicas tradicionais como o
calango e a folia de reis, concentrados nas periferias da região metropolitana.
Alem disso, Gerson Filho era adepto da afinação natural, que restringe o
instrumento à pratica de melodias diatônicas, minimizando enormemente suas
chances de inserção no rádio como acompanhador de cantores ou à frente de
regionais de choro.
Em
1949, participaria do programa “Caminho
da Glória”, e logo depois seria admitido no programa "A Hora Sertaneja”,
apresentado pelo radialista Zé do Norte.
No
entanto, seria apenas algum tempo mais tarde, que a sorte brindaria a carreira
do sanfoneiro, quando encontra casualmente num ponto de ônibus, a famosa dupla Venâncio e
Corumbá, que trabalhava profissionalmente com o agenciamento de artistas
nordestinos. Acompanhando a dupla, Gerson se apresentaria em circos e clubes, iniciando o processo de consolidação de sua carreira artística.
Em
1953, surge o primeiro contrato fonográfico com a Todamérica, onde começa a produzir discos de 78 rotações. Entre as primeiras músicas gravadas por Gerson, estava uma quadrilha, gênero musical que identificaria muito seu trabalho, devido ao êxito de suas criações e adaptações de temas tradicionais inspirados no gênero. Além disso, gravaria baiões, xaxados, calangos, xotes, valsas e mazurcas, predominantemente instrumentais e destacando pela primeira vez em disco a sonoridade da harmônica de oito baixos, instrumento matricial no percurso histórico do acordeon na região Nordeste.
Em 1957, pela
mesma etiqueta, gravaria o disco “8 baixos”, primeiro disco em 33 rotações e 10
polegadas de um solista de fole de oito baixos. O disco continha algumas das
faixas anteriormente lançadas em 78 rotações agrupadas em um único disco, novidade mercadológica da época.
No ano seguinte, pelo efêmero selo VASP, lançaria o primeiro
long-play, legitimando seu caminho de pioneirismo. No entanto, sua carreira
decolaria definitivamente, através do contrato com a RCA, importante gravadora
que divulgaria seu trabalho para todo o Brasil, tendo sido talvez o único
solista de oito baixos que tenha sido reconhecido além do âmbito do público de
forró, devido a receptividade de suas gravações entre o público do Sudeste.
Possivelmente, uma das principais razões para isso, era a fidelidade de Gerson Filho à
afinação natural, associada aos repertórios advindos de tradições musicais distintas, como a gaúcha e mineira. O uso deste
sistema de afinação ampliaria a expansão de seu repertório entre os praticantes
deste instrumento oriundos de outras regiões do Brasil. Isso se refletiria em discos como "O Rei dos 8 baixos", em que o repertório flertava com músicas do repertório gaúcho e paulista, como a rancheira "Mate amargo".
Em 1964, quando trabalhava na Rádio Mayrink
Veiga, no Rio de Janeiro, Gerson Filho conheceu a jovem Clemilda, então garçonete
de um restaurante próximo à rádio.
Do namoro surgiria uma união de 28 anos, na vida e na arte.
Em
1969, o casal mudaria para Aracaju, voltando à região Nordeste definitivamente.
Através de um programa de rádio chamado Forró no Asfalto, Aracaju se tornaria o
quartel general da dupla, que, no entanto, continuaria a produzir seus discos
no Rio de Janeiro e em São Paulo, que concentravam majoritariamente os estúdios
profissionais de gravação até o final da década de 1980. A partir de 1971, Gerson Filho assinaria contrato com a gravadora Continental, onde permaneceria até o final de sua carreira.
A fidelidade à afinação natural, a alegria contagiante e corpórea de suas
performances, o uso de melodias tocadas nos baixos (notas graves) da sanfona e
a criação de melodias marcantes - muitas das quais inspiradas em motivos
tradicionais de sua terra natal, são algumas das características que fizeram de Gerson Filho uma das principais referências do fole de
oito baixos da região Nordeste.
O
músico faleceu em 1994, deixando vasta fonografia e uma identidade peculiar. O sanfoneiro Robertinho dos Oito Baixos, filho do
casal Gerson Filho e Clemilda, pode ser apontado como o natural sucessor artístico,
tendo herdado a arte do fole com seu pai, embora não tenha firmado carreira
profissional de sanfoneiro.
Que
esteja sempre viva a música saltitante e alegre de Gerson Argolo Filho, ou melhor, Gerson Filho, “o
rei dos oito baixos”, levantando a poeira dos salões pelos forrós de todo o mundo afora.