Embora a sanfona de 8 baixos seja muito utilizada no calango, raros sanfoneiros de 8 baixos relacionados à esta expressão musical, registraram seus trabalhos em disco. Mesmo a etnografia relacionada ao gênero, tem deixado poucos registros. Ao longo do tempo, tenho conhecido alguns sanfoneiros enraizados no calango. O saudoso João Torquato foi um ás, Carmindo, é outro. No entanto, os únicos registros destes sanfoneiros, por exemplo, são algumas gravações de minhas pesquisas de campo, que aos poucos, eu tenho disponibilizado no Youtube. Esta ausência discográfica de calangos e calangueiros é fruto de uma série de fatores. Primeiramente, esta expressão musical se mantém entre as “tradições orais que se transmitem em circuitos independentes do mercado” (Travassos, 2002:75). Em segundo lugar, é difícil apreender o calango em uma gravação. Como bem explica Rosa Maria Zamith, " a palavra calango não designa somente 'gênero musical' como ainda 'baile rural', 'forma poética', 'dança' e 'canto de trabalho' para amenizar atividades rurais como capinar e roçar"(Zamith, 1987). Eu acrescentaria, passado duas décadas, que o calango ameniza as atividades profissionais da periferia urbana, onde também (sobre)vive, ainda que discretamente. A sanfona de 8 baixos do calango está diretamente relacionada aos elementos enumerados por Zamith. Nos ponteados em terças, sextas, carregados de malícia, se espelham a antiga dança , que, para alguns, evoca alguém que estivesse "juntando café no terreiro". Na melopéia dos cantadores, segundo as linhas (rimas) e leras (versos). Um calango 'acontece', não há programa fixo, tudo depende do momento, de quem esteja participando, desde os calangueiros aos ouvintes.
Zé Alves - O rei do Calango, é um disco lançado em 1983 pelo extinto selo Unacam, e se distingue, por ser uma tentativa de comercialização de um solista de 8 baixos voltado para essa modalidade. Provavelmente, Zé Alves é natural de Minas Gerais, já que existem diversas referências à Minas nos títulos das músicas, como "De Minas à Maceió", "Calango mineiro", Calango na BH". Seu estilo é envolvente, apresentando domínio completo do instrumento neste gênero musical. Além dos calangos propriamente ditos, também há um xote, uma valsa e uma rancheira, gêneros que muitas vezes se misturam ao repertório dos calangueiros tradicionais. A julgar pela fotografia da capa e pela sonoridade da gravação, Zé Alvez utilizou uma Todeschini em afinação natural no registro de mi bemol/lá bemol. Há o predominio do ponto liso, isto é, utilização da tonalidade da carreira externa - Mi bemol. Não há uso de tonalidade menor. O predominio do modo maior so é quebrado na faixa "De Minas à Maceió", onde uma sétima abaixada caracteristicamente nordestina dá o "tempero" diferenciado à composição, justificando o nome da capital de Alagoas ao título.
Mesmo nos momentos em que Zé Alves apoia-se na tradição oral, o realiza de maneira própria, adaptando as frases com criatividade e iventividade. Destacaria a faixa "Calango Mineiro", que demonstra todo o seu virtuosismo. O acompanhamento traz dois violões - um nas "baixarias", e outro, atuando de forma contrapontística ou ritmica, um cavaquinho e percussões - reco-reco, afoxé, triângulo e zabumba. A ficha técnica omite o nome dos percussionistas. O único músico do qual tenho alguma referência é o cavaquinista Pedrinho, que gravou alguns discos nos anos 80. Quem puder, por favor, me dê alguma pista quanto aos músicos participantes desta gravação, sobretudo o solista Zé Alves, do qual não tenho informação biográfica alguma.E ficam as perguntas: - Onde vive Zé Alves? Gravou algum outro disco? Ainda está em atividade profissional"?
Boa audição!
fontes bibliográficas:
Travassos, Elizabeth.Esboço de balanço da etnomusicologia no Brasil. Opus 9. ANPOM, dezembro, 2003.
Zamith, Rosa Maria. Calango - RJ. Documentário Sonoro do folclore brasileiro 44. Rio de Janeiro:Funarte, 1987.
Zé Alves - O rei do calango
Unacam
1983
Zé Alves - sanfona de 8 baixos
Tupy e Vicente - violões
Pedrinho - cavaquinho
Pirulito - baixo
Lado A
01 - Dançando no terreiro ( Zé Alves - Pitangui)
02 - De Minas à Maceió (Zé Alves - Antônio Ramos)
03 - A valsinha do vovô (Zé Alves - Pitangui)
04 - Calango mineiro (Zé Alves - Pitangui)
05 - Brincando com a 8 baixos ( Zé Alves - Pitangui)
06 - Pisando miúdo (Zé Alves e Pitangui)
Lado B
07 - Calango de Santa Bárbara (Zé Alves e itangui)
08 - Xote do Tetéo (Lico)
09 - Calango na BH (Zé Alves - Pitangui)
10 - Calango em Monte Verde ( Zé Alves - Pitangui)
11 - Calango manhoso ( Zé Alves - Pitangui)
12 - Descendo a serra (Zé Alves - Pitangui)