A Feira de São Cristovão surgiu na década de 1940, como um dos frutos da intensa migração nordestina na Região Sudeste. O campo de São Cristovão, bairro localizado na zona central do Rio de Janeiro, era o ponto final dos ônibus que transportavam os migrantes nordestinos, em busca de melhores condições de vida. Como descreve um dos fundadores da feira, o cordelista e cantador Azulão,
Depois de dez, doze dias
numa viagem sofrida
o Campo de São Cristovão
era o ponto de descida
onde cada nordestino
onde cada nordestino
procurava seu destino
em busca da nova vida
Portanto, foi neste cenário que a feira se consolidou por volta de meados dos anos 40. Uma feira nordestina, onde não apenas se vendiam os produtos típicos da região Nordeste, mas também, um lugar para as trocas materiais e imateriais. Um espaço para o alicerçamento de amizades, para a edificação de negócios, para a manutenção do espaço simbólico da cultura.
Aos poucos, a Feira se tornou menos nômade, se sedentarizou, adaptou-se ao formato contemporáneo dos shopping-centers, tornando-se "Centro Luiz Gonzaga de tradições nordestinas": as barracas se tornaram lojas; o som acústico de trios nordestinos e repentistas adquiriu microfones e amplificadores; adquiriu novas influências, entre o pé de serra e o eletrônico, como se fosse uma representação de um Nordeste que se industrializa e se digitaliza. Porém, por trás das transitoriedades, conserva como fio condutor o palco das trocas simbólicas, e continua sendo entendida como a "Feira".
A Feira de São Cristovão era apenas um ponto turístico para mim até novembro de 2007, quando iniciei minha pesquisa sobre a sanfona de oito baixos na região Nordeste. A partir de então, o lugar começou a adquirir novos significados, conforme se descortinavam, meandros de sutilezas. A Feira também é o lugar das narrativas pessoais, histórias que norteiam o percurso dos migrantes, como Nilton Amaral, o Zé do Gato, que chegou ao Rio de Janeiro no início dos anos 1970. Sua idéia inicial era trabalhar em construção, ajuntar algum dinheiro, comprar uma sanfona e voltar para sua cidade natal, Garanhuns, que embora identificada com a seresta, tem revelado ao mundo muitos sanfoneiros, a exemplo de Dominguinhos. Acontece que Zé do Gato acabou ficando. Seu irmão, o Zé da Onça, já estava estabelecido no Rio de Janeiro e foi um dos fundadores da Feira de São Cristovão. Então, Zé do Gato enamorou-se com uma jovem carioca, casou-se e começou a labuta de pai de família, sanfoneiro e artesão. Entre seus filhos, o sanfoneiro Maçarico é uma figura de destaque na cena do forró, tendo sido um menino prodígio no acordeom.
Domingo passado, estive na feira, em especial, no Bazar Musical do Zé do Gato, ponto de encontro de sanfoneiros, artesãos, vendedores e compradores de sanfonas, compositores e apreciadores da arte do fole, dos oito aos cento e vinte baixos. Foi um dia especial, em que conheci Adão Ferreira, compositor de cerca de 180 músicas gravadas em disco; Sussú, zabumbeiro de Marinês e Abdias por trinta e seis anos; Assis Filho, o "Dida", sobrinho de Abdias dos 8 baixos, excelente cantor e percussionista que acompanhou o tio em muitas gravações e apresentações; E não foi só isso. Por lá passaram artesãos como Jasiel, do Morro da Pedreira. O sanfoneiro Valdir Callegario, capixaba de Castelo, que sempre visita a Feira quando está de passagem pelo Rio de Janeiro. Também foi bom rever amigos como o Enock Lima, com quem sempre aprendo um pouco da história do forró, ouvindo suas histórias contadas em mil detalhes. Depois, saímos dali, eu, Enock e Assis, caminhando pelas vielas da feira, parando aqui e ali, esbarrando com outras figuras proeminentes da música nordestina como Mazinho do Pandeiro e Chico Mota; conversando com o Deda do Gás, ex-cunhado e motorista do saudoso mestre Abdias dos 8 baixos, enfim, conhecendo a feira nos seus pormenores.
Depois, a volta para casa, e a lembrança saudosa de uma tarde ensolarada e tecida de muitos aprendizados, relatos vindos de histórias contadas e ouvidas.
Abaixo, algumas fotografias que foram tiradas na ocasião.
Enock Lima e Adão Ferreira
Pereira, Zé do Gato, Adão Ferreira e Enock
Enock Lima
Pereira, Zé do Gato, Leo Rugero e Adão Ferreira
Sussú, Assis Farias, Leo Rugero e Adão Ferreira
Sussú, Assis Farias, Adão Ferreira e Enock Lima
Assis Farias, Enock Lima e Chico Mota
Que lindo domingo! Resgatar histórias é viver, parabéns, adorei!
ResponderExcluirObrigado Andrea! Sem dúvida foi um desses domingos que ficam na memória e fazem nos sentirmos mais ligados à existência.
ResponderExcluir