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3 de ago. de 2015

Forró no Asfalto 1986 Gerson Filho e Lourinho do Acordeon.



No ano de centenário de Gerson Filho, eis que o amigo Paulo Correa nos oferece a digitalização de um trecho de uma performance ao vivo de Gerson Filho no programa "Forró no Asfalto", que era apresentado por ele e Clemilda. Uma maravilha assistir um raríssimo vídeo deste grande representante do fole nordestino. Pura alegria e descontração com acompanhamento de acordeon e um grupo de ritmistas da pesadíssima! Será que o menino do agogô é o Robertinho? A animação da festa é marcada pela empolgadíssima Clemilda, ainda no auge de sua forma. Presente aos admiradores do legado do grande sanfoneiro alagoano.



21 de jul. de 2015

Em PE, famílias de Arlindo, Selma e Abelardo lutam para manter legado


21/07/2015 08h17 - Atualizado em 21/07/2015 08h17

Em PE, famílias de Arlindo, Selma e Abelardo lutam para manter legado

Arlindo dos 8 Baixos e Selma do Coco queriam preservar ritmos do estado.
Casa de Abelardo da Hora deve virar museu, segundo sonhos dos filhos.

Vitor Tavares Especial para o G1 PE
Familiares de Arlindo dos Oito Baixos, Abelardo da Hora e Selma do Coco idealizam projetos para manter legado artístico (Foto: Luna Markman / G1 - Katherine Coutinho/G1 - Rafael Passos/Secom-JP)Familiares de Arlindo dos Oito Baixos, Abelardo da Hora e Selma do Coco idealizam projetos para manter legado artístico (Foto: Luna Markman / G1 - Katherine Coutinho/G1 - Rafael Passos/Secom-JP)
Nos últimos anos, Pernambuco perdeu grandes ícones de sua cultura. Ariano Suassuna, Abelardo da Hora, Reginaldo Rossi, Selma do Coco, Dominguinhos, Arlindo dos Oito Baixos, Mestre Camarão. Nomes que consolidaram o estado como polo musical e artístico no cenário nacional e que fizeram de suas vidas patrimônio de uma época e de um povo. Após a morte, o que deveria ser permanente – a memória – acaba se enfraquecendo diante da falta de apoio e da presença de espaços e símbolos que honrem o legado que cada um deixou, depois de décadas de produção cultural.
Escutar a música e as histórias de Selma do Coco, contemplar as esculturas de Abelardo da Hora ou dançar um forró dominical aos moldes do que Arlindo dos Oito Baixos fazia. São ideias que familiares e produtores dos artistas tentam manter acesas, mesmo diante de um cenário não muito animador de crise e de pouco investimento no âmbito cultural. Em comum, os três projetos visam a valorização e perpetuação do legado desses artistas pernambucanos que morreram recentemente. Em diferentes estágios para se tornarem concretas, as propostas seguem no papel, mas se mostram essenciais para que a história não se perca na desinformação.
Abelardo da Hora Filho está a frente do instituto que preserva a memória de seu pai (Foto: Vitor Tavares / G1)Abelardo da Hora Filho está à frente do instituto que preserva a memória de seu pai (Foto: Vitor Tavares / G1)
Família de Abelardo quer casa-museu
Foi em 2006 que um dos maiores artistas plásticos do Brasil, Abelardo da Hora, adquiriu um terreno ao lado de sua casa, no bairro da Boa Vista, no Recife, para construir a sede do instituto que leva seu nome. A ideia era fazer uma construção arrojada, para abrigar salas dedicadas a diversos tipos de arte, além de expor permanentemente peças do seu acervo.
Hoje, o local entre as ruas do Sossego e Cardoso Ayres ainda é um grande vazio. Tem apenas duas cobertas e guarda algumas das obras de Abelardo. Em setembro de 2014, o então governador de Pernambuco, João Lyra Neto, compareceu ao velório do artista e prometeu ajudar no que fosse possível para consolidar o Instituto Abelardo da Hora. Quase um ano se passou e, frente à desesperança quanto ao apoio institucional, a família decidiu vender a área e se dedicar à casa onde Abelardo morava.
A ideia é fazer uma casa-museu, com pé-direito alto e onde os visitantes possam ver algumas obras originais, além de conferir o local em que o artista trabalhava e descansava. Lá, estão peças de temática social, como “Flagelo”, “Sem Terra e Sem Vez”, “A Fome e o Brado”, sem falar nas tradicionais esculturas de mulheres em poses sensuais. “Nos sete meses que se passaram, o entendimento da família foi em manter essas obras todas juntas, e não dividir para os filhos. A gente entende que arte de Abelardo é do Recife, de Pernambuco e do Brasil, não de uma família”, destacou Abelardo da Hora Filho.
Esculturas estão espalhadas pela casa de Abelardo, que deve se transformar num museu (Foto: Vitor Tavares / G1)Esculturas estão espalhadas pela casa de Abelardo, que deve se transformar num museu
(Foto: Vitor Tavares / G1)
Ao todo, no local há cerca de 1,5 mil obras, entre esculturas e desenhos. E novos trabalhos de Abelardo ainda aparecem, a cada procura pelos antigos móveis. Recentemente, o filho achou, nas gavetas do pai, 80 desenhos inéditos, todos sobre terreiros de umbanda e orixás. Nos corredores estão esculturas de todos os tipos, e casa está intocada, do jeito que o mestre deixou.
Espaço onde seria erguida a sede do Instituto Abelardo da Hora deve ser vendido (Foto: Vitor Tavares / G1)Espaço onde seria erguida a sede do Instituto
Abelardo da Hora deve ser vendido
(Foto: Vitor Tavares / G1)
O Instituto Abelardo da Hora, além de querer construir o museu, mantém atividades para a preservação da memória. No Recife, por exemplo, existem cerca de 600 obras de Abelardo espalhadas pela cidade, em espaços públicos e privados. Algumas dessas obras, através de uma manutenção malfeita, perdem as características originais. Antes de morrer, o artista ainda deixou alguns projetos em andamento, que devem ser levados adiante pela família, como a Torre Cinética na Praça da Torre, monumento derrubado na ditadura militar; o busto de Gregório Bezerra; e uma obra no Hospital da Mulher da Prefeitura do Recife.
“Impressionante como a memoria do povo é curta, por isso a gente realmente tem que lutar pela preservação da memória da grande figura que foi meu pai. Mas não há nenhum diálogo entre nós e poder público, até porque não há recursos para nada. Quando a gente tiver uma brecha, vamos buscar”, comentou Abelardo da Hora filho. Para agosto, está prevista uma exposição inédita do artista na Caixa Cultural do Recife, em celebração aos 90 anos de nascimento.
A casa de Abelardo da Hora segue aberta para visitação, mas de forma agendada. Os interessados devem entrar em contato através do número 3221-0773.
Dona Odete e o produtor Roberto Andrade lamentam não conseguir manter festas de forró em Dois Unidos (Foto: Vitor Tavares / G1)Dona Odete e o produtor Roberto Andrade lamentam não conseguir manter festas de forró em Dois Unidos (Foto: Vitor Tavares / G1)
Casa arrumada, mas sem Forró do Arlindo
Todos os dias, a viúva de Arlindo dos Oito Baixos, dona Odete Macedo, arruma o espaço destinado ao forró que o marido construiu nos fundos de sua casa, em Dois Unidos, Zona Norte do Recife. O espaço ganhou até uma placa nova, segundo dona Odete há cerca de dois meses, identificando como ponto de difusão da cultura nordestina. Só que, sem dinheiro e sem nenhum tipo de apoio, dona Odete e o produtor de Arlindo, Roberto Andrade, pararam as atividades do espaço no último mês de março.
O Forró do Arlindo foi criado em 2000, como um encontro de amigos. Foi crescendo e virou um espaço de efervescência do forró na Zona Norte, reunindo nomes como Marinês, Santanna e Dominguinhos. O espaço também preservava a sanfona dos oito baixos, modelo diferenciado usado por poucos forrozeiros. Organizar a festa em que batia ponto todos os domingos era a coisa que mais dava prazer em Arlindo, até quando a saúde dele permitiu. O pernambucano morreu em setembro de 2013, após problemas decorrentes de diabetes.
O cenário hoje no Forró do Arlindo é um misto de organização e abandono. As mesas estão organizadas, as toalhas floridas fazem a decoração, e o chão é varrido constantemente. A estrutura, entretanto, padece.  O maior problema é no telhado, que está solto em algumas partes, com goteiras e podendo causar até um acidente. “Eu venho aqui, arrumo, porque qualquer pessoa que pedir para ver como é o espaço, ele está todo ajeitadinho. Todo dia eu organizo, mas não posso mais me comprometer com as festas”, falou dona Odete.
Espaço do Forró de Arlindo sofre com falta de estrutura (Foto: Vitor Tavares / G1)Espaço do Forró de Arlindo sofre com falta de estrutura (Foto: Vitor Tavares / G1)
A vontade de manter o forró existe, além de criar um espaço de preservação para a sanfona dos oito baixos, com oficinas regulares. O problema é que, ganhando apenas uma aposentadoria, Odete não pode garantir a festa. Precisa ter capital de giro para alugar som, pagar artistas, bancar os bares e as comidas. “Arlindo sempre queria manter a tradição que ele ajudou a propagar até quando pôde, dá uma tristeza ver isso aqui sem movimento”, destacou Roberto Andrade.
Produtor de Arlindo nos últimos 15 nos de vida do forrozeiro, Roberto tem a ideia de transformar o espaço em um polo junino, além de ter uma programação anual de festas e também oficinas de sanfoneiros. Ele prepara uma maratona de reuniões com os governos estadual e municipal para tentar viabilizar algum projeto. Pensa, inclusive, em criar tours dedicados ao forró no Recife, com visitação no espaço. Para este ano, pelo menos uma grande festa deve acontecer: o 15º aniversário do local, em setembro.
Casa de Arlindo recebeu placa informativa da Prefeitura, mesmo sem ter mais programação (Foto: Vitor Tavares / G1)Casa de Arlindo tem placa informativa da Prefeitura,
mesmo sem ter mais programação
(Foto: Vitor Tavares / G1)
Desde que Arlindo morreu, dona Odete não foi procurada oficialmente por nenhum representante do governo para conversar. A época de São João passou e, com ela, a tristeza de não conseguir fazer as festas no período mais querido pelos forrozeiros. “Recebi muitas ligações, as pessoas pedindo que eu organizasse, que é uma pena não ter mais. O povo lembra muito ainda dele, sempre me procuram, mas o espaço não estou conseguindo manter. Mas se Deus quiser isso aqui vai voltar a ser o que era”, disse a viúva. Em 2012, Arlindo dos 8 Baixos ganhou o titulo de Patrimônio Vivo de Pernambuco.

A Prefeitura do Recife, por meio da Secretaria de Cultura, disse que, por se tratar de um espaço privado, a família precisa apresentar um projeto da Fundação de Cultura da cidade, com contrapartidas sociais, para receber apoio. Em relação à placa que dona Odete diz ter sido colocada este ano, a Secretaria de Turismo e Lazer informa que foi instalada no primeiro semestre de 2014, através de um projeto de sinalização turística.
Casa de Selma do Coco tem pintura no muro indicando espaço cultural (Foto: Vitor Tavares / G1)Casa de Selma do Coco tem pintura no muro indicando espaço cultural (Foto: Vitor Tavares / G1)
Briga de família e os sonhos de Selma
Enquanto estava viva, até o último mês de maio, Selma do Coco dizia aos netos que sonhava em ter espaço dedicado ao coco em Olinda. Ela, que ajudou a difundir o ritmo pelo Brasil, queria perpetuá-lo mesmo depois que partisse. A cantora também se tornou Patrimônio Vivo do estado em 2012.
O problema da família de Selma do Coco está em torno da casa onde ela morava, no bairro do Amparo, em Olinda. A cantora viveu no local até seus últimos dias, com um dos seus netos, Alexandre. O G1 foi ao imóvel, que tem o nome “Espaço Cultural” no muro, mas o neto se limitou a dizer que não poderia conversar com a reportagem por orientação de advogados. Informou, entretanto, que gostaria de manter viva a memória de Selma.
Outro grupo de netos e parentes de Selma, por sua vez, já tem um projeto na cabeça. Querem um ponto de cultura destinado ao ritmo pernambucano. “Ela sempre manifestou interesse em fazer algo, mas, por questão de idade e alguns problemas, preferiu deixar quietinho. A ideia é difundir o coco de roda, até o Japão, mostrar quem era Selma através do resgate das cantigas antigas. A gente quer mostrar quem foi Selma: negra, pobre, vendedora de tapioca e cerveja para manter a sobrevivência”, disse Jaqueline Leite, nora de Selma do Coco
Viúva aos 33 anos, a cantora só teve três filhos, todos falecidos, mas criou diversos sobrinhos e netos. Trabalhou com música para manter todos. De acordo com os parentes, a partir de julho, eles vão tentar organizar o projeto para tentar verba junto aos governos estadual e federal. Ainda não há definição sobre a casa onde ela morava, pois a briga está na Justiça. “Ela engrandeceu não só a família, mas Pernambuco, levando o coco de roda para mundo”, finalizou Jaqueline.
Em nota, a Prefeitura de Olinda informou que, até o momento, não existe projeto para preservação da memória de Selma do Coco, mas que realiza seminários e encontros destinados ao coco na cidade.
Procurada pelo G1, a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) não deu retorno até a publicação desta reportagem.

22 de jun. de 2015

Hermeto Pascoal - Forrozão dos Oito Baixos

Hoje é aniversário de 79 anos de Hermeto Pascoal.
Só isso já seria motivo para um dia de alegria e muita música. Hermeto,
mais do que um músico, sempre encarnou o próprio espírito da música,
tal a sua musicalidade. A todos nós, músicos e admiradores daquilo que
chamamos por música, é uma alegria tê-lo por perto, tocando, compondo
novas e intrincadas melodias, improvisando em pianos e bacias. Então, em
homenagem ao aniversário de Hermeto, um forró no fole de oito baixos,

durante seu aniversário de 75 anos, lá eu estava no meio da festa, quatro anos atrás! Aniversário de 75 anos de Hermeto Pascoal. 

A sanfona utilizada por Hermeto pertenceu a seu pai, e antes de tocar a
música "Forrozão dos Oito Baixos", Hermeto lembrou de uma passagem 
engraçada de seu pai num vôo de avião para a Argentina, no final da 
decada de 1970.


"Papai morava no bairro Jabour e um dia nós fomos tocar na Argentina e o papai
com essa mesma sanfoninha. Chegou na hora, eu não lembro qual era a
companhia de aviação, nós sentamos, aí a aeromoça chegou assim bem
delicadamente e disse: "Moço, por gentiliza, o senhor tem que me dar
esse instrumento para eu levar lá para cima, porque o senhor não pode
viajar com ele no colo". Meu pai falou pra ela na maior simplicidade do
mundo: " Minha filha, esse instrumento aqui, pra você levar lá pra cima,
você tem que me levar também." Aí, ficou aquele empate dentro do avião,
o avião já se preparando para decolar, aí eu falei pro papai: "Papai,
deixe ela levar, que ela toma cuidado". Aí papai disse assim: "Meu
filho, pra eu largar esse oito baixos aqui, eu tenho que ir junto, pra
onde ele for eu tenho que ir junto". Aí chamaram a aeromoça novamente, e
ela deixou ele viajar com o oito baixos. E ele viajou com o oito baixos
agarrado assim".
mais informações: sanfonade8baixos.blogspot.com


17 de jun. de 2015

Homenagem ao Centenário de Gerson Filho (1915 – 2015) – Léo Rugero


Homenagem ao Centenário de Gerson Filho (1915 – 2015) – Léo Rugero


O ano de 2015 marca uma data importante para a música nordestina: o centenário de Gerson Argolo Filho, artisticamente conhecido como Gerson Filho. 
Nascido em 12 de maio de 1915, na Fazenda Mundéis, no Município de Penedo, no Estado de Alagoas, Gerson Filho foi o primeiro solista de oito baixos no estilo nordestino, a gravar profissionalmente em disco.
Em 9 de abril de 1953, com a gravação em disco de 78 rotações das músicas “Maracanã”e “Quadrilha da Cidade”, através da gravadora Todamérica, Gerson Filho inauguraria a era fonográfica da sanfona de oito baixos nordestina, abrindo caminho para outros solistas do instrumento, que despontariam em seguida, tais como Pedro Sertanejo, Severino Januário, Zé Calixto e Abdias.
Tão somente este pioneirismo  asseguraria um lugar central de Gerson Filho na história do fole de oito baixos na região Nordeste. No entanto, o sanfoneiro alagoano edificaria uma das carreiras mais sólidas na história do forró, se constituindo em um dos mais representativos solistas da sanfona de oito baixos da região Nordeste.  Também seria um destacado compositor, tendo obras gravadas por Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Fagner, entre outros nomes representativos da cultura musical nordestina. 
Indubitavelmente, Gerson Filho foi o primeiro solista de oito baixos a obter reconhecimento artístico além do restrito âmbito de atuação dos sanfoneiros nos bailes rurais e de periferias urbanas. Através do rádio e do disco,  se consagraria, tornando-se uma referência da sanfona de oito baixos no contexto midiático de apropriação e adaptação fonográfica desta tradição sonora.
A interessante biografia deste sanfoneiro merece ser resgatada, bem como sua vasta obra composicional, dispersa em dezenas de fonogramas registrados ao longo de cinco décadas de carreira profissional.
A história musical de Gerson Filho principia em sua infância, e, desde o primeiro momento, foi marcada pelo amor à primeira vista por aquele que seria seu instrumento de fé e trabalho: a sanfona de oito baixos.
Ao completar dez anos, Gerson Filho foi enviado pela família aos cuidados de uma tia, para que completasse seus estudos na escola pública. Por volta desta época, teria ocorrido seu primeiro contato com o fole de oito baixos. Certo dia, viu passar perto da escola onde estudava, o sanfoneiro Zé Moreno, que teria causado impacto ao menino.
Algum tempo depois, Gerson Filho pediria a Zé Moreno para tomar parte de seu conjunto. Já haviam dois ritmistas ao encargo do pandeiro e do gonguê, e Gerson ficaria responsável pelo ganzá. Durante o convívio com Zé Moreno, Gerson Filho aprenderia aos poucos a manejar o complexo instrumento, aproveitando os intervalos dos bailes e funções nas quais participavam, para descobrir os segredos entre o fole e os botões. 
Certa noite de São João, Zé Moreno havia sido contratado para fazer dois bailes no mesmo dia e horário. Então, solicitou ao jovem aprendiz que assumisse o posto de sanfoneiro em um dos bailes. Com a aceitação pública do jovem talento, dava-se o início de uma longa carreira.
No entanto, ainda que tenha adquirido notoriedade como sanfoneiro entre as comunidades que circundavam o município de Penedo, a música constituía apenas uma das atividades profissionais do jovem, que também trabalhou como feirante e até mesmo proprietário de um cabaré com o insólito nome de “Orgia Lua Branca”.
Em busca de novos horizontes, Gerson Filho se deslocaria ao Rio de Janeiro em 1948, numa longa viagem carregada de percalços. É difícil imaginar como deve ter sido a receptividade ao trabalho do jovem sanfoneiro na Guanabara. Devemos lembrar que nesta época, ocorria a definitiva consagração de Luiz Gonzaga no Rio de Janeiro e, consequentemente, em todo o pais. Porém, o fole de oito baixos era um instrumento praticamente desconhecido no Rio de Janeiro, circunscrito às práticas de músicas tradicionais como o calango e a folia de reis, concentrados nas periferias da região metropolitana. Alem disso, Gerson Filho era adepto da afinação natural, que restringe o instrumento à pratica de melodias diatônicas, minimizando enormemente suas chances de inserção no rádio como acompanhador de cantores ou à frente de regionais de choro.  
Em 1949, participaria do programa  “Caminho da Glória”, e logo depois seria admitido no programa "A Hora Sertaneja”, apresentado pelo radialista Zé do Norte.
No entanto, seria apenas algum tempo mais tarde, que a sorte brindaria a carreira do sanfoneiro, quando encontra casualmente num ponto de ônibus, a famosa dupla Venâncio e Corumbá, que trabalhava profissionalmente com o agenciamento de artistas nordestinos. Acompanhando a dupla, Gerson se apresentaria em circos e clubes, iniciando o processo de consolidação de sua carreira artística.
Em 1953, surge o primeiro contrato fonográfico com a Todamérica, onde começa a produzir discos de 78 rotações. Entre as primeiras músicas gravadas por Gerson, estava uma quadrilha, gênero musical que identificaria muito seu trabalho, devido ao êxito de suas criações e adaptações de temas tradicionais inspirados no gênero. Além disso, gravaria baiões, xaxados, calangos, xotes, valsas e mazurcas, predominantemente instrumentais e destacando pela primeira vez em disco a sonoridade  da harmônica de oito baixos, instrumento matricial no percurso histórico do acordeon na região Nordeste.
  Em 1957, pela mesma etiqueta, gravaria o disco “8 baixos”, primeiro disco em 33 rotações e 10 polegadas de um solista de fole de oito baixos. O disco continha algumas das faixas  anteriormente lançadas em 78 rotações agrupadas em um único disco, novidade mercadológica da época.



No ano seguinte, pelo efêmero selo VASP, lançaria o primeiro long-play, legitimando seu caminho de pioneirismo. No entanto, sua carreira decolaria definitivamente, através do contrato com a RCA, importante gravadora que divulgaria seu trabalho para todo o Brasil, tendo sido talvez o único solista de oito baixos que tenha sido reconhecido além do âmbito do público de forró, devido a receptividade de suas gravações entre o público do Sudeste. Possivelmente, uma das principais razões para isso, era a fidelidade de Gerson Filho à afinação natural, associada aos repertórios advindos de tradições musicais distintas, como a gaúcha e mineira. O uso deste sistema de afinação ampliaria a expansão de seu repertório entre os praticantes deste instrumento oriundos de outras regiões do Brasil. Isso se refletiria em discos como "O Rei dos 8 baixos", em que o repertório flertava com músicas do repertório gaúcho e paulista, como a rancheira "Mate amargo".
Em 1964, quando trabalhava na Rádio Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro, Gerson Filho conheceu a jovem Clemilda, então garçonete de um restaurante próximo à rádio.  Do namoro surgiria uma união de 28 anos, na vida e na arte.
 

Em 1969, o casal mudaria para Aracaju, voltando à região Nordeste definitivamente. Através de um programa de rádio chamado Forró no Asfalto, Aracaju se tornaria o quartel general da dupla, que, no entanto, continuaria a produzir seus discos no Rio de Janeiro e em São Paulo, que concentravam majoritariamente os estúdios profissionais de gravação até o final da década de 1980. A partir de 1971, Gerson Filho assinaria contrato com a gravadora Continental, onde permaneceria até o final de sua carreira.
A fidelidade  à afinação natural, a alegria contagiante e corpórea de suas performances, o uso de melodias tocadas nos baixos (notas graves) da sanfona e a criação de melodias marcantes - muitas das quais inspiradas em motivos tradicionais de sua terra natal, são algumas das características que fizeram de Gerson Filho uma das principais referências do fole de oito baixos da região Nordeste.
O músico faleceu em 1994, deixando vasta fonografia e uma identidade peculiar. O sanfoneiro Robertinho dos Oito Baixos, filho do casal Gerson Filho e Clemilda, pode ser apontado como o natural sucessor artístico, tendo herdado a arte do fole com seu pai, embora não tenha firmado  carreira profissional de sanfoneiro.
Que esteja sempre viva a música saltitante e alegre de Gerson Argolo Filho, ou melhor, Gerson Filho, “o rei dos oito baixos”, levantando a poeira dos salões pelos forrós de todo o mundo afora.

Governo de Feira silenciou os ‘oito baixos’ de Bié

Governo de Feira silenciou os ‘oito baixos’ de Bié

BIé
Aconteceu o que alertamos: o governo municipal de Feira de Santana conseguiu silenciar, pelo medo, a sanfona de oito baixos de Bié, no Centro de Abastecimento.
Hoje Bié não foi ao Centro.O som da sanfoninha não amaciou os ouvidos da gente simples.
‘Tive medo de tomarem minha sanfona, minhas caixas.Eles me ameaçaram’, me disse Bié, entristecido.
O Governo cumpriu a maldade anunciada.E o Centro de Abastecimento está menos alegre.

23 de abr. de 2015

Mangabinha (1942 - 2015)

Semana de grandes perdas para o acordeon brasileiro. Hoje, quem se despede do plano terreno é Mangabinha. Ao lado de Voninho e Zé Cupido, foi um dos mais representativos intérpretes profissionais do estilo acordeonístico do Sudeste. Também teve um papel representativo como cancionista no cenário da música sertaneja, através de sua atuação ao lado do famoso trio Parada Dura. Seu contato com a música foi iniciado através da sanfona de oito baixos. seu estilo no acordeon de 120 baixos trazia muito da herança do "pé de bode"mineiro: as terças paralelas em estilo "duetado". os trinados na cadência final das frases, a construção diatônica das melodias, o uso dos acordes principais de tônica, subdominante e dominante, as linhas de baixo inspiradas nos bordões de sete cordas, enfim...os ritmos de calango, rancheira, rasqueado, polca...estava tudo ali. Descanse em paz, Mangabinha, eterna influência aos sanfoneiros deste Brasil. Obrigado pelo que nos deixou...Abaixo, o link de um disco com Mangabinha tocando sanfona de oito baixos, trabalho verdadeiramente raro que compartilhei neste blog há cerca de três anos atrás.

21 de abr. de 2015

Camarão (1940 - 2015)

Reginaldo Alves Ferreira, artisticamente conhecido como "Camarão" foi uma das maiores expressões do acordeon nordestino. Nascido em Brejo das Almas, Pernambuco, em 23 de junho de 1940, vindo a falecer hoje, 21 de abril de 2015, em Recife, onde residia com a esposa, no bairro de Areias.
Além de inventivo acordeonista, Camarão era compositor e professor, sendo um dos poucos mestres que conjugava o aprendizado de tradição oral com a escrita musical, era adepto do método do acordeonista carioca Alencar Terra, fato que só é conhecido por aqueles que com ele estudaram.
Tive a oportunidade de conhecer Camarão em 2009, quando visitei-o em sua residência. Deste primeiro encontro, guardo uma entrevista e algumas fotografias.
Embora tenha sido reconhecido fundamentalmente por sua contribuição como acordeonista e renovador do forró - a primeira "banda"de forró com formação diferenciada, foi um conceito empregado por Camarão nos bailes recifenses da década de 1970, Camarão também era um representante do fole de oito baixos, seu primeiro instrumento.
Seu álbum de estreia, em 1964, intitulado "Lá vai Braza", trazia a baila seu estilo único no fole de oito baixos. Até hoje este disco é uma referência a todos os instrumentistas de fole e se constituiria no único trabalho de Camarão como solista de oito baixos
Em meu livro "Com Respeito aos Oito Baixos"dediquei um subcapítulo ao mestre Camarão, baseado em um depoimento do próprio mestre sobre sua vida e com algumas fotografias que ele havia cedido para que fossem publicadas. Abaixo, transcrevo uma passagem do livro "Com Respeito aos Oito Baixos", que, infelizmente, por motivo de força maior, não chegou às mãos do mestre em tempo hábil. 

Na tenra infância aprendeu a desvendar os segredos da sanfona com o pai, o sanfoneiro e afinador Antônio Neto, a quem acompanhava nos bailes do agreste pernambucano. Segundo Camarão, a afinação transportada era localmente denominada de si-bemol.
Alguns anos mais tarde, Camarão ingressaria na Rádio Jornal do Comércio de Caruaru como acordeonista de cento e vinte baixos. Assim como ocorre com outros instrumentistas, Camarão opta pela sanfona de teclado devido aos recursos harmônicos do instrumento. Até que um dia, surge a oportunidade para gravar um disco pela gravadora Rosenblit. No entanto, conforme ressalta o sanfoneiro, “só queriam oito baixos, era na época que estava naquela febre de Zé Calixto, Geraldo Correia, porque vendia muito. As fábricas não queriam acordeonistas, queriam sanfoneiros de oito baixos”.204
Segundo conta o próprio Camarão, ele adquiriu uma sanfona de oito baixos especialmente para a realização do disco. Com o auxílio de um cavaquinista, preparou os arranjos do repertório que havia sido composto especialmente para o disco em apenas duas semanas antes das gravações. A gravação foi realizada ao vivo, “em um único dia”. Como resultado desta empreitada, nasceu o emblemático disco “Lá vai brasa” pelo selo Mocambo.
O fato mais intrigante deste trabalho, segundo Camarão, se deve ao fato de que ele utilizou uma sanfona em um sistema de afinação desconhecido. Sendo assim, “as músicas foram feitas para aquele instrumento. Se eu fosse pegar em uma sanfona de oito baixos e tentar tocar aquelas músicas da maneira que eu compus, elas não sairiam”. Depois que o disco foi lançado, Camarão se desfez da sanfona de oito baixos, vindo a escolher o acordeon de cento e vinte baixos como seu instrumento de devoção.
Nas palavras de Camarão, “o oito baixos é um instrumento misterioso. Tem várias afinações e é muito difícil de encontrar”. Devido a qualidade intrínseca deste trabalho de estreia, Camarão deixou influente contribuição ao instrumento, admirado inclusive por colegas instrumentistas da estirpe de Zé Calixto e Arlindo dos 8 baixos.