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28 de jan. de 2013

Arlindo dos 8 Baixos: "Eu me sinto um herói"


Arlindo dos 8 Baixos: "Eu me sinto um herói"

Patrimônio vivo de Pernambuco comemora 50 anos de carreira como referência no instrumento e lutando contra doença

por Felipe Mendes | sab, 26/01/2013 - 01:03
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Foto: Fernando da Hora/LeiaJáImagensMeus mestres... Um já foi embora, que era Luiz Gonzaga. O outro está bem doente, que é Dominguinhos

São cinquenta anos de carreira. Setenta anos de vida a ser completados no próximo dia 16 de abril. Um legado imensurável que ultrapassa o instrumentista e se concretiza em 18 discos, inúmeros shows, fotos, histórias e no Espaço Cultural Arlindo dos 8 Baixos, que fica no quintal da sua casa, no bairro de Dois Unidos. Pelo espaço, já passaram quase todos os forrozeiros da região, tocando para uma multidão de admiradores da música que encontrou sua síntese em Luiz Gonzaga.
Gonzaga, aliás, teve a companhia de Arlindo dos 8 Baixos no palco durante muitos anos. Foi o Rei do Baião que o estimulou a voltar ao seu instrumento original – a sanfona de 8 baixos – e a utilizá-lo como nome artístico. Admirado como instrumentista diferenciado, Arlindo abraçou os 8 baixos e com ele se destacou. No fim de 2012, o músico recebeu o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco, um justo reconhecimento por sua contribuição à cultura e à música.
Apesar da história e das alegrias, Arlindo está doente. Já teve um AVC, está cego e sofre com a diabetes, que obrigou os médicos a amputarem suas pernas. O músico esteve internado mais de uma vez e voltou para casa recentemente da última estadia no hospital. Com o semblante triste, confessa: “Faz uns oito meses que não pego no instrumento. Fiquei internado, minha mão direita ficou com os dedos duros, cansados...”. Mas a força do menino criado em um engenho, que virou um jovem barbeiro e se transformou em músico respeitado não o deixou. Arlindo fala em voltar a treinar para recuperar a fluência na sanfona e até em fazer fisioterapia para resgatar alguns movimentos das mãos.
Hoje, bisavô de uma menina, casado há 42 anos com Dona Odete, Arlindo é definitivo: “A música é tudo para mim. Tudo o que tenho hoje foi através da minha música”. Em entrevista exclusiva ao LeiaJá, o mestre da sanfona de 8 baixos conta um pouco da sua história. Fala de seus mestres e alunos, do forró despretensioso em seu quintal que virou lugar obrigatório para músicos e apreciadores, das alegrias de sua caminhada e da sua música.
E qual foi a primeira sanfona que você tocou?
A do meu pai. Eu comecei a pegar a sanfona de 8 baixos com dez anos de idade. Meu pai tocava um pouquinho, umas besteirinhas. E eu aprendi a afinar com meu padrinho, eu levava a minha sanfona para ele afinar. Com poucos dias aprendi e fiquei consertando a minha e a dos outros.
Você teve uma infância musical? Havia bailes, instrumentos musicais?
Não. O que tinha na minha casa era uma estrovenga, uma foice e uma enxada. Meu pai plantava na roça e eu ia mais ele para o roçado. Ele nem queria que eu tocasse. Quando chegava do roçado e eu estava tocando, ele reclamava, dizia que não tinha futuro. Aí eu guardava o instrumento, mas quando ele saía, pegava a sanfona de novo. Um dia ele deixou de reclamar e até comprou um 8 baixos pra mim. Depois troquei numa sanfona grande (de 120 baixos) e com ela conheci um bocado de artistas, fiz shows por Pernambuco todo com a caravana da Rádio Clube, com a caravana da Rádio Jornal. Silveirinha, locutor da Rádio Clube e Jota Austregésilo, me chamavam. Passei quatro anos tocando com Coruja e os Tangarás.
Quando eu viajei com Gonzaga, foi com a sanfona grande. Eu disse a ele que queria gravar, e ele me aconselhou a trocar de instrumento, porque as gravadoras estavam cheias de sanfoneiros e não queriam mais. Queriam a de 8 baixos, que estava resumida demais. Então fui à Caruaru, comprei um 8 baixos e fiquei treinando. Um ano e pouco depois, Gonzaga perguntou como estava e pediu para eu tocar uma coisa para ele ver. Então, ele disse que ia me levar para a (gravadora) RCA, e eu estou gravando até hoje.
Com o que mais você trabalhou antes de se profissionalizar como músico?

Na minha infância eu trabalhava na agricultura. Eu nasci em um engenho, na Usina Trapiche, limpava cana, meu serviço era esse. Depois, fui morar em Santo Amaro de Sirinhaém fazendo o mesmo serviço mais meu pai, nos engenhos. Um dia chegou um barbeiro lá e disse para meu pai comprar as ferramentas para eu aprender a cortar cabelo e ele comprou. Terminei aprendendo a cortar cabelo, montei uma barbearia e fiquei cortando cabelo. Botei um salão em Ponte dos Carvalhos e depois vim ao Recife, para Beberibe, onde cortei cabelo ainda por mais de dois anos.
É verdade que tocar a sanfona de 8 baixos é mais difícil do que a de 120?

É mais difícil. Cada botão desses tem duas notas: uma abrindo o fole e outra fechando. A sanfona é uma coisa só, é mais fácil. Quem toca sanfona não toca oito baixos, e quem toca oito baixos não toca sanfona, tem que aprender nos dois.
No final do ano passado você finalmente reconhecido como Patrimônio Vivo de Pernambuco. Como recebeu a notícia?

Fiquei muito feliz quando soube da notícia. Muita gente pediu que eu me inscrevesse. Eu me inscrevi três anos e não fui sorteado. Esse ano, fui. Deu uma alegria boa. Ligaram para mim, saiu no jornal com minha foto. Fiquei muito satisfeito. Isso vai me ajudar, a gente tem direito a um salário.
Você é um mestre do instrumento. Quem são seus aprendizes? E quem são seus mestres?

Meus mestres... Um já foi embora, que era Luiz Gonzaga. O outro está bem doente, que é Dominguinhos. Eu adoro as músicas de Dominguinhos e acho muito bonito ele tocar. E eu tenho vários seguidores, porque tenho uma escola aqui onde ensino os oito baixos e a sanfona. Tenho essa escola há mais de quinze anos. Tenho aluno aqui que começou do zero, não sabia tocar nada e hoje já está tocando em palco, gravando, viajando para fazer show. Um deles é Raimundo Santos, e tem outros que já tocam bem. Recife tem muito sanfoneiro novo e bom, tocando muito, e uns tempos atrás a gente não encontrava. De uns dez anos para cá é que se voltou a dar valor à sanfona.
Como surgiu o Espaço Cultural Forró de Arlindo?

Comecei aqui, por que não tinha forró no Recife na época. Aí chamei os colegas para fazer forró no meu quintal, mostrar música um para o outro todo domingo de tarde. Chamei Gennaro, Camarão, um bocado de sanfoneiro. A gente foi começando e todo domingo dava mais gente que o anterior. Isso foi em 1980. Nessa época, quando a gente dizia que tocava sanfona, o povo mangava da gente. Tinha umas fruteiras no meu quintal que eu fui derrubando, fui murando o quintal. Chegou uma quantidade de gente que eu tive que cimentar tudo, cobrir, foi melhorando. Ficou de um jeito que, se eu quiser parar agora, não consigo mais. Só está parado agora por conta do carnaval e da minha doença. Mas, dia 3 de março vamos recomeçar a programação com Alcymar Monteiro.
Durante seus 50 anos de caminhada musical, quais foram as suas maiores alegrias?

Muitas. Quando viajava com Gonzaga, saía para lugares que não conhecia... Tocar um instrumento, seja ele qual for, é muito bom. Faz bem. Eu nunca mais peguei na sanfona por causa desse meu problema de saúde. Os dedos não atendem, tenho que treinar muito.
Depois de tanta vivência e de ser uma referência como músico, como você se sente?

Muito bem. Eu me sinto um herói, porque quando me lembro que trabalhava nos engenhos cortando cana, pastorando boi, e hoje estou como estou, me sinto muito bem. Não dá nem para acreditar.
Com a sua vasta experiência, qual recado você daria para quem está começando a tocar?

Peço a eles que não desistam. Enfrentem, porque eu comecei assim também. Teve hora que pensei: “será que não saio disso, não vou aprender?”. Mas, eu aprendi, não fiquei conhecido pelos músicos e artistas? Então digo que não desistam, sigam em frente. E os instrumentos ruins joguem fora e comprem instrumentos bons. Continuem a treinar, cantar e tocar.
Casa de Arlindo dos 8 Baixos virou Espaço Cultural Arlindo dos 8 Baixos

2 comentários:

  1. Leo,
    a história da vida deste sanfoneiro é impressionante, o Tico dos 8 Baixos que é seu amigo me contou um pouco dela.

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  2. Everaldo,

    conheço bem o Arlindo, inclusive, minha sanfona preta foi transportada por ele. É um exímio sanfoneiro e bom amigo. Sofre as vicissitudes da diabetes, infelizmente, o que tem lhe abatido muito. Realmente é uma matéria que emocionou a muitos apreciadores e amigos deste grande músico.

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