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19 de mai. de 2012

João Baptista Capelotto


Excelente artigo de Miguel Poberto Nítolo sobre a vida de João Baptista Capelotto, sanfoneiro de oito baixos ítalo-paulista pouco conhecido fora de sua circunferência regional de atuação.
Por Miguel Roberto Nítolo nitolo@uol.com.br

Edição 371 de 11/05/2012

Família Capelotto


A vida em oito baixos
O italiano João Baptista revelou-se um brilhante sanfonista, alegrando festas e tocando no rádio
Lavrador, funcionário público e benzedor contra quebrante eram algumas das atividades que marcaram sua vida e fizeram dele uma pessoa conhecida e popular. Mas foi como sanfoneiro que ele caiu nas graças dos são-manuelenses tal a frequência como se apresentava no rádio e nos festejos de aniversário e dias santos. João Baptista Capelotto não era nenhum Mário Zan, mas dedilhava sua sanfona de 8 baixos com desembaraço, qualidade que o elevaria à condição de instrumentista de encher as medidas. Para quem não sabe, o festejado Zan, que na verdade se chamava Mário João Zandomeneghi, foi um dos maiores acordeonistas em atividade no Brasil até sua morte, em novembro de 2006, aos 86 anos. Compositor, é dele o hino gravado em 1954 em homenagem ao quarto centenário da cidade de São Paulo. Por causa dessas credenciais e habilidades musicais, Mário Zan reunia uma infinidade de fãs, que procuravam tocar como ele ou, pelo menos, tirar de suas sanfonas o som que ele imortalizou.
João Baptista Capelotto era um desses seguidores, e apesar de não ter conhecido pessoalmente o grande mestre, se identificava com ele em alguns pontos: os dois eram italianos, tinham basicamente as mesmas preferências musicais e eram saudados como artistas de fato: Zan ganhou o título de "Rei da sanfona", dado por Luiz Gonzaga, que foi seu parceiro em algumas composições, e Capelotto ficou conhecido como "sanfoneiro de São Manuel".
De resto, foram diferentes em quase tudo. Capelotto, 25 anos mais velho (nasceu em 1895), emigrou para o Brasil com o propósito de trabalhar na lavoura de café e nunca abandonou o interior. Já Mário Zan, natural de Veneza, desembarcou em Santos, em 1924, aos 4 anos de idade, morou até os 12 em Catanduva, no noroeste do Estado e a 396 km da capital, e, aos 13 anos, fez sua estreia profissional em São Paulo. Gravou duzentas músicas e lançou trezentos discos de 78 rotações. 110 LPs e 50 CDs. E compôs mais de cem melodias.
Se tivessem dado a ele a oportunidade de também morar na cidade grande, é possível mesmo que Capelotto, quem sabe, houvesse se projetado como sanfoneiro. Mas como o destino reservou para ele um outro enredo, sua história no Brasil foi toda escrita em São Manuel, desde sua chegada ao país, na primeira década do século passado, até seu falecimento, aos 81 anos.
A Fazenda São José do Lageado figura entre as primeiras empregadoras locais do "sanfoneiro de São Manuel". Propriedade agrícola que pertencia às famílias Gomes e Mellão, e cujas terras eram quase que integralmente dedicadas ao cultivo de café, ficava a apenas 6 km da zona urbana. Quando Capelotto chegou para trabalhar naquela empresa agrícola, ela ocupava 55 alqueires e era dona de quase 100 mil cafeeiros.
É impossível determinar quanto tempo aquele imigrante esteve à disposição da São José do Lageado porque, simplesmente, não há apontamentos sobre essa passagem de sua vida. Assim como ninguém é capaz de afirmar se ele estava acompanhado de parentes ou de amigos quando se apresentou aos patrões. Sabe-se apenas que ocupou uma das quinze casas de sua colônia, residências que, a despeito da época, tinham água encanada. Os descendentes de Capelotto não se sentem seguros a opinar sobre as circunstâncias que envolveram seu desembarque em Santos, se ele veio sozinho para o Brasil ou desceu do navio na companhia dos pais. 
Seis mulheres – Se, de fato, viajou só, sua vida de solteiro acabou no dia em que conheceu Benedita Cândida do Espírito Santo, colona como ele, mas brasileira de nascimento. Trabalhadores rurais no período áureo do café, não precisaram muito para "juntar os trapos", como os antigos diziam. Lugar para se abrigar, ainda hoje um peso no orçamento do recém-casado, não era necessariamente um problema para aquela gente, considerando que, um século atrás, os fazendeiros disponibilizavam aos empregados casa em suas colônias.
Não foi diferente na Fazenda São José do Lageado, onde João Baptista e Benedita Cândida foram morar tão logo pronunciaram o aguardado "sim" no altar e, no cartório civil, colocaram suas assinaturas no livro que os tornariam doravante marido e mulher. Quando foi isso? Ninguém sabe. Os familiares residentes em São Manuel não dispõem de documentos, nada que possa servir de pista. Todavia, fazem alguns cálculos e chegam a uma conclusão mais ou menos óbvia partindo da data de nascimento de João Baptista. E afirmam, sem medo de errar, que "vô João e vó Benedita se uniram pelo matrimônio na segunda década do século passado, portanto, entre 1910 e 1920".
Trapos juntados e responsabilidade dobrada, o casal Capelotto se viu confrontado com uma rotina que é exclusiva das pessoas que fazem juras de amor e trocam alianças. Tudo mudou, menos as obrigações, que continuaram as mesmas de quando eram solteiros: pular da cama bem cedo, antes do sol nascer, preparar a boia e tomar o caminho da lavoura com a enxada no ombro e o picuá nas mãos.
João Baptista se deu bem na roça – é possível que seus pais tenham sido lavradores na Itália e ele, quando criança, mantido contato com algum tipo de cultivo, possivelmente videiras. É claro a cultura de café diferenciou-se de tudo o que havia visto até então, mas não criou embaraços para a sua adaptação na zona rural – assim como não complicou a vida a tantos outros imigrantes italianos.
Era comum que as fazendas reservassem aos colonos pequenos espaços onde eles formavam horta e pomar para consumo próprio. Nos primeiros anos de casados, e ainda empregados na São José do Lageado, João Baptista e Benedita Cândida cultivaram um pouco de tudo nessa porção de terra: arroz, feijão e milho, além de hortaliças e legumes, produtos que acabavam, invariavelmente, na mesa da família e o excedente permutado com outros colonos, comercializado na cidade ou negociado com os patrões.
Tempos mais tarde, o casal Capelotto trocou a fazenda pela "Chácara do Mellão", propriedade próxima da sede da comarca, portanto, a um passo do comércio e das escolas. Esse era um desejo alimentado pelo chefe da casa, que ele compartilhava com a esposa e os filhos maiores. Estavam todos ansiosos diante da porta que se abria e da expectativa de poder dar um outro rumo às suas vidas, virada que somente a cidade ia ser capaz de oferecer.
Nessa altura, os Capelotto formavam uma família de nove membros. João Baptista e Benedita Cândida haviam trazido ao mundo sete herdeiros, seis do sexo feminino e um do masculino: Maria, Inês, Isabel, Terezinha, Helena, Cinira e José. Com exceção de Helena, moradora da Cohab 1 e hoje aos 78 anos, todos já morreram. 
Caladão – Um dia, cansado da vida no campo, isto entre os anos 40 e 50, João Baptista decidiu que o momento de se transferir com a família para a zona urbana havia chegado. Ele ingressou no quadro de funcionários do Colégio Agrícola Dona Sebastiana de Barros, hoje Escola Técnica Estadual (ETEC) Dona Sebastiana de Barros, do Centro Paula Souza, e ali fez carreira, agora como funcionário público. "Ele começou plantando uva", relata o neto Walter Parenti, o "Parentinho", como é mais conhecido.
Foi então que passou a dar asas às suas habilidades musicais, especialmente depois de aposentado. "Se já tocava sanfona antes, depois, quando o tempo livre era maior, não deixava passar a oportunidade de difundir o seu trabalho", relata o neto Rubens de Camargo. E como ele fazia isso? Apresentando-se nos programas dominicais de auditório e de músicas sertanejas da Rádio Clube de São Manuel, então PRI-6. João Baptista também era presença obrigatória em festas juninas e de aniversários, enfim, lá ia ele fazer gemer o fole de seu instrumento sempre que convidado.
Rubens recorda-se que o repertório do avô era amplo, mas que ele nutria especial predileção pela música "Viva a mãe de Deus e nossa", (Viva a mãe de Deus e nossa, sem pecado concebida! Viva a Virgem Imaculada, a Senhora Aparecida!). E nunca deixava de tocar em suas apresentações a melodia "Abra a porta e a janela", imortalizada pela dupla são-manuelense Tonico e Tinoco (Abra a porta e a janela, venha ver quem é que eu sô. Sô aquele desprezado, que você me desprezô). "Mas também executava à exaustão ´O bode`, de sua autoria", comenta "Parentinho".
Segundo os netos, o avô era uma pessoa calada, que falava o estritamente necessário. Todavia, se transmudava quando agitava o fole. Ficava alegre, cantarolava, batia o pé para dar ritmo e não deixava ninguém na mão. Atendia aos pedidos mesmo que a música solicitada não fosse de seu agrado ou lhe era desconhecida. "Ele saía de casa em direção à emissora de rádio, metido dentro de uma camisa de manga comprida e um vistoso chapéu branco na cabeça", diz Rubens.
João Baptista teve de abandonar a sanfona, a contragosto, por questões de saúde. "Foi paulatinamente perdendo a visão e, contrariado, nunca mais se apresentou em público" fala "Parentinho". Ele morreu em agosto de 1975, alguns anos depois de amargar o falecimento de Benedita Cândida, desgosto que, sabe-se agora, pode ter contribuído para acelerar os problemas visuais de que sofria.
Informações sobre o paradeiro dos sete filhos do casal Capelotto, fornecidas pelos descendentes que continuam residindo no município, dão conta de que cinco deles permaneceram em São Manuel, ao contrário de Inês e Isabel que, depois de casadas, seguiram para a capital. Maria, a mais velha e que ficou viúva muito cedo, preferiu viver na roça e terminou seus dias na Fazenda Natal, em Igaracu do Tietê; Terezinha, que se uniu pelo matrimônio a Pedro Rodrigues, empregado na "máquina dos Barros" (beneficiamento de café), foi mãe de Neusa, Luiz Carlos, Pedro e Rosa Maria; Helena, casada com Vicente de Camargo, ex-comerciário, empregado de firma de engenharia em São Paulo e reparador de fogões a gás em São Manuel, é mãe de Roberto (falecido), Rubens, Reinaldo, Roseli, Rosângela, Rosemare e Rogério; Cinira foi casada com Walter Parente, ex-funcionário do Colégio Agrícola, e mãe de Walter Antonio, Maria Helena, José Aparecido e Sílvio César; e José, também ex-funcionário do Colégio Agrícola, foi casado com Elza Erpe e pai de Benedito, Maria Cecília, Fátima, João e Antonio Donizete.


Um comentário:

  1. Bom artigo; isso mostra o alcance deste Blog que é visto inclusive por descendente de Italianos.

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