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Tocador de sanfona mantém tradição
Publicado em 13 de novembro de 2009
Chico Paes tem 85 anos e se prepara para gravar seu segundo CD
ANTÔNIO VICELMO
ANTÔNIO VICELMO
Crato. Um velho tocador de pé-de-bode, que foi amigo e parceiro de Patativa, se torna famoso aos 84 anos. Vai gravar o seu segundo CD. É a história de um amante apaixonado que se reencontra com o seu velho amor, a harmônica de oito baixos.
Estão chegando ao fim os últimos tocadores de "pé-de-bode", ou harmônica de oito baixos, do Cariri. Um dos remanescentes dessa casta de nordestinos que fez da música e da agricultura um meio de sobrevivência, é Francisco Paes de Castro, conhecido por Chico Paes, que nasceu no dia 23 de outubro de 1925, na zona rural de Assaré. Ele tem uma história de vida parecida com a do seu conterrâneo, Patativa do Assaré. Ambos animaram juntos as festas sertanejas. "Patativa, geralmente, saía no meio da cantoria e eu terminava recebendo o dinheiro", lembra o tocador.
Ao lado dos irmãos, que também tocavam e cantavam, Chico Paes percorreu o Interior do Ceará, fazendas, vilas e povoados, para tocar em festas de casamento, batizado, renovação e padroeiros. Numa delas, enfrentou uma grande chuva. O jeito foi emparelhar os dois burros que serviam de montaria e cobri-los como uma lona para proteger o "pé-de-bode" colocando-o debaixo dos animais.
Ao contrário de Patativa, que cantava por amor à poesia, Chico Paes fazia da arte musical uma fonte de renda. Hoje, com 84 anos, cinco casamentos e filhos que ele não sabe a conta, o velho tocador colhe os frutos de uma vida dedicada à música e à agricultura. Com o plantio de uma roça de arroz, comprou uma sanfona. Com o instrumento, adquiriu um pedaço de terra.
O professor Gilmar de Carvalho escreveu que "a música para Chico Paes, mais do que um meio de vida, foi uma forma de expressar o mundo e de se elevar a Deus, no meio do forró mais brabo, com cachaça, homem valente, mulher bonita, ciúmes, rixas, alegria até se pegar o sol com a mão, ter que se jogar água para abafar a poeira do chão". Chico lembra que, "matava" o sono, tomando cerveja na boca da garrafa.
Aos oito anos, Chico aproveitava quando o pai ia para a roça para mexer na harmônica: "eu tinha medo dele brigar". Um dia seu João, já desconfiado, abriu a porteira bem devagar, e flagrou o menino "bulindo" na harmônica. Ao invés da surra esperada, veio a palavra de estímulo: "meu filho, pode tocar, não precisa ter medo de mim não".
Daí pra frente foi uma mão na roda. Notabilizou-se como o maior tocador de fole do sertão dos Inhamuns. Mas somente agora foi descoberto pelo Laboratório de Estudos da Oralidade da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Universidade Estadual do Ceará (Uece), que gravou um CD com 15 músicas, a maioria da autoria de Chico Paes. Tem composições, que vão da marcha à valsa. Uma delas, "De Fortaleza a Messejana", foi composta na volta a cidade de Assaré. O baião "Selma" faz o forró pegar fogo, mas a preferida é "Dedo Amarrado". Já estão prontas as músicas do próximo CD, que ele não sabe quando será gravado.
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