Durante a etapa inicial de minha pesquisa sobre a sanfona de 8 baixos e suas expressões no Brasil, minha primeira constatação foi a incomunicabilidade entre as três fronteiras geográficas que havia delimitado, isto é, as regiões sul, nordeste e sudeste/centro-oeste.
Estas não são apenas regiões geográficas, mas sobretudo, territórios imaginários carregadas de sentido identitário. Os movimentos migratórios nordeste-sudeste constituem um exemplo vivo deste processo.
Notei também, certo "etnocentrismo", que se torna em impecílio para que uns vejam aos outros, e do mesmo modo, uns vejam-se nos outros. "Trata-se de um jogo sutil de toma-lá-dá-cá, uma supervalorização de sua cultura, dentro de uma aparente anomia"(1992:33). Entre os sanfoneiros de cada região, tenho observado uma generalizada falta de interesse na música produzida pelo "outro", entendendo aqui o outro, como aquele que é oriundo de outra região.Em alguns casos, este desinteresse conduz à depreciaçao da arte alheia, não só por ser a arte do "outro", como por estar-se alheio à ela. Claro que falo em termos gerais, deixando escapar honrosas exceções.
Se, por um aspecto, este isolacionismo permitiu a construção de músicas com fronteiras tão nitidas quanto são as fronteiras geográficas, por outro lado, observo, em muitos momentos, uma tendência epigonal, (como a cobra que morde o próprio rabo), não permitindo o diálogo potencializado pela revolução digital e a fluidez que poderia se estabelecer no descentramento inter-regional, possibilitando novos lugares, não mais delimitados por uma identidade, mas por várias identidades.
Talvez esta reflexão seja possível (ou impossível) mediante o lugar em que ocupo neste diálogo. Um lugar do "sujeito pós-moderno", "não tendo uma idetidade fixa, essencial ou permanente"(2006:12), ocupando este lugar "itinerante"onde a identidade torna-se uma força móvel, menos biológica e mais histórica. Como estudioso da sanfona e sanfoneiro, minha natividade é itinerante: não sou gaúcho da fronteira, nem nordestino, quanto menos mineiro. Transito entre estas identidades que travam lutas acirradas entre si.
Meu olhar ( e minha escuta) transitam entre fronteiras, e como tal, proponho uma trégua, um entreouvir-se, como nova possibilidade estética. E retomo a pergunta formulada há quas três décadas atrás pelo compositor Tom Zé: - Com quantos quilos de medo se faz uma tradição?
Referências:
Hall, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro, DP & A Editora, 2006.
Settl, Klza. Questões reltivas à autoctonia nas culturas musicais indígenas da atualidade, consideradas no exemplo Mbyá-guarani. Revista Brasileira de música. Rio de Jneiro, 20:33-41, 1992-93.
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